AUXÍLIO DA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE FEIXE CÔNICO NO DIAGNÓSTICO DE CERATOCISTO ODONTOGÊNICO: RELATO DE CASO
RESUMO
O Ceratocisto Odontogênico é apresentado como uma lesão benigna que acomete a cavidade bucal, sendo um cisto odontogênico com grande potencial de crescimento, bem agressivo e com altas taxas de recorrência, podendo, quando em múltiplas manifestações, estarem associados à "Síndrome de Gorlin-Goltz". Neste relato de caso, uma paciente do sexo feminino, melanoderma, de 42 anos, compareceu à clínica de radiologia odontológica queixando-se de um discreto aumento de volume na região do lado direito da mandíbula. Após realização de exame panorâmico e periapical de pré-molares e molares inferiores do lado direito, observou-se a presença de imagem radiolúcida, bem delimitada, de contornos regulares, estendendo-se da região apical do dente 45 até próximo a incisura mandibular do lado direito, envolvendo o dente 48 e estendendo-se próximo à base mandibular e deslocando inferiormente o canal mandibular. Em seguida, foram adquiridas imagens no tomógrafo OP 300 Pro e ao analisar os planos axiais, sagitais e coronais, notou-se a presença de uma imagem hipodensa unilocular de contorno regular e com borda corticalizada, apresentando remanescente de osso trabecular em seu interior, localizada em região de corpo, ângulo e ramo mandibular do lado direito, além de envolvimento com a porção coronária do dente 48 e com a região periapical dos dentes 47 e 46. Dentre as hipóteses diagnósticas pensadas, a de Ceratocisto Odontogênico foi a mais relevante. A paciente foi referenciada para realizar o exame histopatológico, que foi conclusivo de Ceratocisto Odontogênico.
Palavras-chave: Ceratocisto Odontogênico; Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico; Diagnóstico.
ABSTRACT
The Odontogenic Keratocyst is presented as a benign lesion that affects the oral cavity, being an odontogenic cyst with great growth potential, very aggressive and with high recurrence rates, which, when in multiple manifestations, may be associated with "Gorlin-Goltz Syndrome ". In this case report, a 42-year-old female patient, melanoderma, came to the dental radiology clinic complaining of a slight increase in volume in the region of the right side of the jaw. After panoramic and periapical examination of premolars and mandibular molars on the right side, the presence of a well-delimited radiolucent image with regular contours was observed, extending from the apical region of tooth 45 until close to the mandibular notch on the right side, involving tooth 48 and extending close to the mandibular base and displacing the mandibular canal inferiorly. Afterwards, images were acquired on the OP 300 Pro tomography and when analyzing the axial, sagittal and coronal planes, the presence of a hypodense unilocular image of regular contour and with a corticalized border was noted, showing the remnant of trabecular bone inside, located in the body region, angle and mandibular branch on the right side, in addition to involvement with the coronary portion of tooth 48 and with the periapical region of teeth 47 and 46. Among the diagnostic hypotheses, the Odontogenic Keratocyst was the most relevant. The patient was referred for histopathological examination, which was conclusive for Odontogenic Keratocyst.
Key-words: Odontogenic Keratocyst; Cone-Beam Computed Tomography, Diagnosis.
1 INTRODUÇÃO
O Ceratocisto Odontogênico (CO) é um cisto odontogênico que possui características histológicas próprias, as quais o distinguem de qualquer outro cisto. Tal cisto foi descrito pela primeira vez no ano de 1876, por Mikulicz, quem o denominou de cisto dermoide (GIL, RAU et MANFRO., 2001). O termo Ceratocisto Odontogênico foi introduzido pela primeira vez oito décadas depois, em 1956 por Philipsen, que referiu este termo a qualquer cisto dos maxilares que apresentasse uma formação significativa de queratina. Entretanto, no ano de 1962, o mesmo Philipsen, juntamente a Pindborg e Henriksen, definiram novos critérios histológicos e caracterizaram um comportamento clínico específico para tal lesão particularmente, que seria distinta dos demais cistos que acometem os maxilares (MOURA et al., 2016). Isso se deve porque outros cistos odontogênicos, em certas circunstâncias, podem também apresentar uma ceratinização de seus limites, como exemplo, o Cisto Dentígero e o Cisto Radicular (MARQUES et al.,2006; AMORIM et al., 2003).
No ano de 2005, na terceira edição da Classificação Mundial de Tumores de Cabeça e Pescoço da Organização Mundial da Saúde (OMS), o CO teve sua classificação alterada para tumor, com o novo nome de Tumor Odontogênico Ceratocístico (TOC). Tal mudança teve como base o comportamento clínico da lesão, na sua alta taxa de recidiva e principalmente na presença da mutação do gene PTCH (VALESAN et al., 2019). Todavia, no ano de 2017, o TOC foi classificado novamente como cisto e renomeado para CO, por causa da falta de evidências que pudessem mantê-lo na classificação anterior (VALESAN et al., 2019; WRIGHT et VERED, 2017) e atualmente este cisto representa um tipo específico de cisto odontogênico não inflamatório, com características peculiares (MARQUES et al.,2006; SANTOS et YURGEL., 1999).
O Ceratocisto Odontogênico é um cisto com potencial de crescimento anteroposterior, com taxa de recidiva elevada, em torno de 21%, mostrando agressividade local, crescimento independente, podendo atingir grandes tamanhos sem que haja manifestações clínicas/sintomatológicas. (GIL, RAU et MANFRO., 2001; MARQUES et al.,2006; SANTOS et YURGEL., 1999; VALESAN et al., 2019). Além disso, pode haver a tendência à destruição de estruturas, especialmente se estiver associado à Síndrome do Carcinoma Basocelular Nevóide (Síndrome de Gorlin-Goltz) (VALESAN et al., 2019; SILVA et al., 2019).Tais características, associadas com sua frequência, acabam por retardar o diagnóstico, limitar o prognóstico e tornar o tratamento mais dificultado (GIL, RAU et MANFRO., 2001). A nível histológico, o Ceratocisto Odontogênico possui uma aumentada expressão de caráter imuno-histoquímico de proteínas relacionadas à proliferação e sobrevivência das células, angiogênese e remodelação óssea, sendo que alguns destes marcadores foram associados a um comportamento mais agressivo desta lesão, quando comparado a outros cistos odontogênicos (VALESAN et al., 2019).
Por estas e outras razões, seu estudo é fundamental na clínica odontológica cotidiana. No presente trabalho, o objetivo é apresentar um caso clínico no qual a Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) auxiliou o diagnóstico de Ceratocisto Odontogênico em mandíbula, que pode fazer o diagnóstico diferencial de Fibroma Ameloblástico, Tumor Odontogênico Epitelial Calcificante (TOEC), entre outros.
2 RELATO DE CASO
Paciente J.D.J., sexo feminino, 42 anos, melanoderma, compareceu à Clínica de Radiologia Odontológica CERO na cidade de Macaé, Rio de Janeiro, Brasil, no mês de fevereiro de 2020 queixando-se de um discreto aumento de volume na região do lado direito da mandíbula.
Após a aquisição da radiografia panorâmica da paciente, observou-se uma imagem radiolúcida, bem delimitada, de contornos regulares, estendendo-se da região apical do dente 45 até próximo a incisura mandibular do lado direito, envolvendo o dente 48; estendendo-se próximo à base da mandíbula e deslocando inferiormente o canal mandibular (Figura 1). É importante destacar a presença de imagem radiopaca de pequena dimensão no interior da alteração patológica supracitada. Juntamente com a radiografia panorâmica, houve a aquisição de radiografias periapicais, das regiões de pré-molares e molares do lado direito (Figura 2A e Figura 2B).

Figura 1 - Radiografia Panorâmica. Observa-se grande lesão radiolúcida em região de corpo e ramo mandibular do lado direito, estendendo-se de região dos pré-molares até região de incisura mandibular direita.

Figura 2 - Radiografias Periapicais. Nota-se área radiolúcida envolvendo coroa dentária do dente 48 e periápice dos dentes 47 e 46. Verifica-se também focos radiopacos no interior da imagem radiolúcida. A lesão contorna os ápices e é bastante corticalizada.
Depois da interpretação desses exames de imagem bidimensionais, com o objetivo de se fazer uma melhor avaliação e ter uma melhor compreensão da região de interesse no caso, foi indicado o exame de Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) da mandíbula.
Após a aquisição da Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) da mandíbula com o equipamento OP300, notou-se a presença de uma imagem hipodensa unilocular de contorno regular e com borda corticalizada, apresentando remanescente de osso trabecular em seu interior, localizada em região de corpo, ângulo e ramo mandibular do lado direito. Nota-se envolvimento com a porção coronária do dente 48 e com a região periapical dos dentes 47 e 46 (Figura 3). Verifica-se, ainda, adelgaçamento e expansão das corticais ósseas vestibular / lingual e deslocamento inferior do canal da mandíbula (Figura 4A e 4B), chamando assim, atenção para hipóteses de condições de caráter tumoral, ou parecido.

Figura 3 – Reconstrução Parassagital da TCFC. Observa-se a lesão em corpo, angulo e ramo mandibular direito, envolvendo a porção coronária do dente 48, além da região de periápice dos dentes 47 e 46.

Figura 4 – Reconstrução Axial (Figura 4A) e Coronal (Figura 4B) da TCFC. Observa-se o adelgaçamento e expansão das corticais ósseas vestibular / lingual (Figura 4A) e deslocamento inferior do canal da mandíbula (Figura 4B).
A princípio, este achado imaginológico foi sugestivo de: Ceratocisto Odontogênico (CO), Fibroma Ameloblástico e Tumor Odontogênico Epitelial Calcificante. Nesse momento, sugeriu-se uma correlação com exame histopatológico para melhor avaliação.
3 DISCUSSÃO
Os cistos odontogênicos de desenvolvimento surgem de remanescentes epiteliais dos diferentes estágios da odontogênese, cuja patogênese não se encontra associada a estímulos inflamatórios. Este grupo inclui diferentes lesões, sendo que os dois cistos mais comuns são: o cisto dentígero e o ceratocisto odontogênico (que também pode ser chamado de cisto odontogênico queratinizado) (FREITAS et al., 2015).
A literatura diz que é provável que o CO se origine a partir dos remanescentes epiteliais da lâmina dental. A maneira que ocorre o crescimento do CO é diferente de outros cistos odontogênicos, porque a maioria destes cresce por diferença de pressão osmótica / hidrostática, enquanto o CO, a esta diferença de pressão, soma-se a proliferação intensa independente de suas células epiteliais. As características radiográficas fornecem importantes informações para o diagnóstico clínico e, na maioria dos casos, o CO é uma lesão grande, geralmente unilocular, que apresenta margens onduladas ou lobuladas, bem delimitada por osteogênese reacional, representada por uma fina linha radiopaca (GIL, RAU et MANFRO., 2001).
O comportamento biológico do CO é reconhecidamente mais agressivo do que o dos demais cistos de desenvolvimento. Por tal motivo, nos últimos anos, a discussão sobre a classificação do CO como tumor ou cisto manteve-se ativa, demonstrando a preocupação em relação às características clínicas únicas desta lesão, como alta taxa de recidiva, potencial infiltrativo e presença de mutações gênicas (VALESAN et al., 2019).
A Síndrome de Gorlin-Goltz deve ser lembrada nos casos os quais o paciente em questão apresentar múltiplos ceratocistos maxilares (GIL, RAU et MANFRO., 2001). Esta síndrome se caracteriza por uma predisposição a se desenvolver carcinomas basocelulares múltiplos e alterações de desenvolvimento. É uma condição hereditária provocada por uma mutação no gene supressor tumoral PTCH1, que se localiza no braço longo do cromossomo 9, e é o encarregado do controle de crescimento e desenvolvimento normal dos tecidos. Tal mutação possui um alto grau de penetrância, de cerca de 97% e, a incidência dessa síndrome é estimada em 1 a cada 50.000-150.000 indivíduos na população geral, variando segundo a região, e afetando igualmente homens e mulheres (MOYANO et al., 2016; ROSÓN et al., 2009).
A nível imaginológico, os CO aparecem como uma lesão unilocular solitária expansível (em cerca de 90% dos casos) que se estende no sentido anteroposterior, principalmente em mandíbula. Em radiografia panorâmica, são tipicamente vistos como lesão radiolúcida, unilocular e expansiva, com bordas lisas e corticalizadas, apresentando aspecto festonado em torno de raízes dentárias. Se associados à coroa de dente não irrompido / impactado, podem sugerir diagnóstico diferencial com cisto dentígero; se associados às raízes de dentes não vitais, podem ter a suspeita de cisto radicular (MENON, 2014). Ocasionalmente podem aparecer septados, dificultando a distinção com ameloblastoma. No entanto, ressalta-se a característica imaginológica ao qual o ameloblastoma está mais relacionado com expansão vestíbulo-lingual do que o CO.
Nos casos de TCFC, os ceratocistos odontogênicos podem ser visualizados como uma imagem hipodensa expansível apresentando suas bordas festonadas e corticalizadas. A densidade do conteúdo cístico apresenta variações de acordo com a viscosidade. O rompimento de corticais ósseas pela lesão acaba sugerindo um possível envolvimento com tecidos moles (MENON, 2014).
4 CONCLUSÃO
Ainda que o Ceratocisto Odontogênico possua um comportamento agressivo com uma alta taxa de recorrência, sua etiopatogenia não é completamente conhecida atualmente. Por isso, existe uma necessidade de que mais estudos sejam realizados para que se entenda melhor suas características. Características, as quais, (aliadas à sua frequência), acabam por retardar seu diagnóstico, causando uma limitação de prognósticos, associada à dificuldade de tratamento.
Entretanto, o uso de TCFC e outros exames imaginológicos, podem proporcionar um melhor entendimento da patologia, direcionando a hipóteses diagnósticas para correlação com o resultado do exame histopatológico. Um diagnóstico precoce associado ao encaminhamento para o tratamento adequado são fundamentais para o aumento de sobrevida dos indivíduos acometidos (FREIRE, 2017).
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