ENDOGUIDE COMO UMA ALTERNATIVA TERAPÊUTICA PARA CASOS DE CANAIS CALCIFICADOS: RELATO DE CASO
RESUMO
O sucesso da terapia endodontia depende de uma boa e eficiente modelagem, ampliação e obturação dos sistemas de canais radiculares, o que pode se tornar bem difícil na presença de calcificações pulpares. Essa condição, apresenta um alto grau de complexidade para o tratamento endodôntico. O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico, em que apresenta uma alternativa eficaz e segura para a realização do tratamento de canais calcificados, o Endoguide. Paciente do sexo feminino de 69 anos, com calcificações pulpares nos elementos 13,12,11 e necessidade de prótese fixa nos mesmos. Foi submetida a tentativa frustrada de acesso ao elemento 11, assim a alternativa do acesso guiado foi sugerida para o tratamento dos canais. A paciente realizou o exame de tomografia computadorizada e o escaneamento intraoral, os quais são imprescindíveis para a confecção da guia endodôntica (Endoguide), através de um planejamento virtual e posterior confecção em impressora 3D. Com a guia e utilizando a técnica do acesso guiado, foi possível a localização dos canais com maior precisão e eficácia e, ainda, a possibilidade de finalização do tratamento endodôntico.
Palavras-chave: Calcificação pulpar; Endoguide; Tomografia computadorizada de feixe cônico.
ABSTRACT
The success of endodontic therapy depends on good and efficient modeling, enlargement and obturation of root canal systems, which can become very difficult in the presence of pulpal calcifications. This condition presents a high degree of complexity for endodontic treatment. The present work aims to report a clinical case, which presents an effective and safe alternative for the treatment of calcified canals, the Endoguide.Woman patient, 69 years old, with pulp calcifications in the elements 13,12,11 and need for a fixed prosthesis. A failed attempt to access element 11 was submitted, so the guided access alternative was suggested for the treatment of channels. The patient underwent the computed tomography exam and the intraoral scanning, which are essential for the preparation of the endodontic guide (Endoguide), through a virtual planning and subsequent preparation in a 3D printer. With the guide and using the guided access technique, it was possible to locate the channels more accurately and effectively, and also the possibility of finalizing the endodontic treatment.
Key-words: Pulpa calcifications;, Endoguide; Cone-beam computed tomography.
1 INTRODUÇÃO
A abordagem endodôntica tem como objetivo a manutenção funcional do dente no sistema estomatognático. O sucesso desta abordagem terapêutica depende da realização eficiente da desinfeção, modelagem e obturação do canal radicular. Estas etapas podem tornar-se difíceis de realizar na presença de dentes calcificados. (COHEN E HARGREAVES, 2011)
As principais causas da calcificação pulpar são maioritariamente desconhecidas, mas sabe-se que podem desenvolver-se devido a cáries, medicações intracanal, traumas (extrusão, luxação lateral) e envelhecimento (senilidade). (LOPES E SIQUEIRA, 2015).
Assim como a expectativa de vida, a população idosa tem aumentado significativamente ao longo dos anos, decorrente da melhor qualidade de vida, alimentação, atividade física, entre outros (HEBLING E et al., 2014). Dessa maneira, também tem aumentado os cuidados odontológicos e consequentemente o número de tratamentos endodônticos em idosos. Atrelado a esse quadro, um maior número de canais parciais ou totalmente calcificados, estão se tornando rotineiros na prática endodôntica (COHEN E HARGREAVES, 2011).
Existe um consenso na literatura, de que o tratamento do canal radicular em dentes que se apresentam com calcificações, se torna indicado apenas na presença de sintomatologias agudas, periodontite apical, indicações protéticas. Quando o dente está assintomático, nenhuma intervenção é indicada, além do acompanhamento clinico e imaginológico periódicos. Os dentes com calcificação não costumam apresentar sintomatologia, sendo o diagnóstico muitas vezes um achado radiográfico (SOCIEDADE EUROPEIA DE ENDODONTIA, 2014). Clinicamente, a coroa dentária pode apresentar coloração alterada, e radiograficamente os canais apresentam os seus limites pulpares apagados, revelando obstrução parcial ou completa da câmara pulpar e dos canais (LOPES E SIQUEIRA, 2015).
Segundo a ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE ENDODONTIA, a terapia endodôntica de canais radiculares calcificados tem um alto nível de dificuldade. Brocas de haste longa e pontas de ultrassom seriam estratégias usadas rotineiramente neste tipo de procedimento. No entanto, essas técnicas, ainda muito utilizadas, geram um alto risco de falha, como desvio do conduto e perfurações da raiz, mesmo quando associado à ampliação visual com o uso do microscópio cirúrgico (HEBLING E et al., 2014).
Nos casos, onde nos deparamos com canais calcificados e com a indicação de tratamento endodôntico, a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) vem sendo um dos principais recursos para o diagnóstico, trazendo assim imagens que garantem um adequado planejamento do caso (BUCHGREITZ et al. 2016). O planejamento pré-operatório é altamente recomendado, aonde podem ser realizadas mensurações lineares e angulares aos quais podem ser levadas em consideração no momento do preparo de acesso endodôntico (CONNERT et al. 2017).
Associado ao desenvolvimento das imagens de TCFC, uma outra tecnologia de imagem, o escaneamento intraoral tem sido muito utilizado em associação as imagens de TCFC devido a sua maior precisão na obtenção de um registro tridimensional da arcada dentária. Uma vez que, reconstruções tridimensionais obtidas pela renderização indireta em softwares de TCFC podem não apresentar-se fiéis ao modelo real. Assim, associar os exames de imagem significa usar o melhor dos dois exames em benefício do tratamento escolhido (MAIA et al., 2019).
Levando em consideração a dificuldade do acesso endodôntico em canais calcificados, uma nova abordagem terapêutica tem sido desenvolvida, conhecida como Endoguide (ZEHNDER et al., 2015). Este procedimento necessita de uma associação entre os exames de imagem: de TCFC e o de escaneamento intraoral. Para a realização de um planejamento virtual e a geração de uma guia de acesso endodôntico para o canal radicular de interesse. Esta técnica permite por meio de um guia de acesso, realizar o acesso cavitário pela estrutura dentária, evitando desvios e desgastes desnecessários (CONNERT et al. 2017). Deste modo, casos de calcificação dentárias que eram então considerados de extrema complexidade e indicados para cirurgia, passaram a ter uma alternativa conservadora para o tratamento (REDDY et al.2017).
O objetivo deste trabalho é apresentar um relato de caso clínico, no qual foi usado a técnica de endodontia guiada como alternativa terapêutica, em dentes com indicação protética e com calcificação pulpar por senilidade.
2 RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino de 69 anos, necessitava de tratamento endodôntico em região de incisivos superiores (12,11) e canino (13). Sem sintomatologia, porém com indicação protética para instalação de retentores intrarradiculares e posteriormente prótese fixa. Após exame clínico, pode-se notar grande perda da estrutura coronária, e tentativa frustrada de localização do canal, no elemento 11. Duas aquisições radiográficas periapicais foram realizadas, uma da região dos incisivos e uma do canino, constatando-se a atresia nos canais radiculares dos incisivos e uma calcificação do canal radicular ao nível de terço cervical no canino, sugerindo senilidade pulpar (Figura1).

Figura 1- Radiografia periapical. Aquisição da região dos incisivos (A), notar a falta de nitidez no contorno do canal radicular, sugerindo atresia radicular. E aquisição da região de canino (B), observar calcificação em terço cervical do elemento.
Para um melhor planejamento e previsibilidade do caso, a paciente foi submetida ao exame de Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) de alta resolução. O tomógrafo utilizado foi Prexion 3D (Terarecon, Japão) com protocolo de aquisição de FOV (5x5cm) e voxel de 0,15mm. As imagens da TCFC confirmaram a presença de atresia dos canais radiculares nos dentes 12 e 11 e a calcificação do canal radicular ao nível cervical no dente 13, e não foi observado alterações perirradiculares (Figura 2).
A deposição secundária de dentina ao longo da vida é um fator desafiador no tratamento endodôntico, levando a uma grande dificuldade para localização e tratamento do canal radicular. Devido a essa anatomia complexa e as particularidades de cada elemento dentário, optou-se pelo tratamento com a técnica de 'Endodontia Guiada' para os incisivos e tratamento endodôntico convencional para o canino.

Figura 2 – Reconstrução Sagital do dente 13 (A), dente 12 (B) e dente 11(C). Observar a confirmação de atresia e calcificação pulpar.
Para confecção da guia, foi realizado um escaneamento intraoral, utilizando o scaner 3Shape Trios (Copenhagen, Dinamarca). O guia foi gerado a partir da união entre exame de TCFC e de escaneamento, em um planejamento virtual no software ImplantViewer (AnneSolutions, São Paulo, Brasil) (Figura 3). No qual, também foi determinado o comprimento de inserção e angulação das vias das brocas de acesso. Até o presente momento, se tem utilizado broca do kit de cirurgia guiada de implantes dentários, possuindo diâmetro de 1,3mm e altura de 20mm, aos quais já são previamente indicados ao software para simulação no ambiente virtual. O planejamento cuidadoso das inclinações das vias de acessos e altura de penetração da broca devem levar em consideração os diâmetros das raízes dentárias e uma relação de longo eixo com o canal radicular remanescente, minimizando assim que discretos desvios padrões de união entre arquivo de TCFC e escaneamento intraoral ocasione em desvios reais no acesso guiado (Figura 4 e 5).

Figura 3 – Visualização do modelo digital e guia de acesso endodôntico.

Figura 4 - Planejamento virtual, determinação do comprimento de penetração da broca em cada elemento dental,12 (A) e 11 (B e C)

Figura 5 – Raconstrução 3D do planejamento virtual.
Após o planejamento, um modelo virtual foi exportado como um arquivo STL e enviado para uma impressora 3D FormLabs 2 (Somerville, Massachusetts, EUA), que realizou a impressão 3D. A estereolitografia (SLA) faz a confecção da prototipagem rápida, com material de polimerização, tendo então uma réplica fiel de um modelo virtual chamado de protótipo, e assim, por meio desse processo obtemos o guia de acesso.
A guia pronta e em clínica, foi adaptada a arcada superior ao paciente, e estabilizado utilizando suporte digital do dentista durante todo procedimento (Figura 6). Para o processo de acesso guiado utilizou-se a broca do Kit de Cirurgia Guiada da Neodent de 1.3mm de diâmetro e 20mm de comprimento ativo (Figura 7). Depois de alcançado os comprimentos pré definidos pelo planejamento virtual, a guia foi removida e realizada a exploração manual com limas 10, para localização dos canais, sob isolamento absoluto. Após a localização dos canais e de ser atingido as potências dos mesmos foi realizado o preparo químico-mecânico convencional, com instrumentos mecanizados do sistema ProDesign Logic (Easy, Belo Horizonte, Brasil); (Figura 8).

Figura 6 - Guia de acesso endodôntico, “endoguide”, posicionado e estabilizado pelos elementos dentais.

Figura 7 – Penetração da broca, para acesso guiado, com orientação das anilhas.

Figura 8 – Finalização do preparo químico-mecânico
3 DISCUSSÃO
O complexo dentino-pulpar é uma região suscetível a sofrer danos, capazes de gerar obliterações nos canais radiculares. Este fenômeno é causado por diversos fatores, como cáries, envelhecimento, traumas, dentre outros que podem atingir a estrutura dentária (BUCHGREITZ et al. 2016). Fisiologicamente, os odontoblastos passam a depositar uma maior quantidade de dentina secundária (em casos de idade, onde é depositada lentamente com o tempo) ou terciária, (caso se trate de alguma lesão ou trauma), sendo esta última mais desorganizada e depositada mais rapidamente (NEVILLE et al. 2009).
A abordagem apropriada para dentes calcificados pode ser um dilema para o clínico (LARA MENDES et al., 2018). Esta deve ser feita a partir de decisão prudente entre a intervenção endodôntica para o dente envolvido e outras intervenções restauradoras estéticas disponíveis. A maior parte dos dados científicos em literatura não apoia a intervenção endodôntica a menos que seja detectado patologia endodôntica, sintomatologia ou indicação protética do dente envolvido. A observação e o exame periódico do dente calcificado são as opções geralmente adotadas (LOPES E SIQUEIRA, 2015).
O acesso endodôntico em canais radiculares calcificados é uma tarefa desafiadora. Está propenso a falhas técnicas incluindo alterações da geometria do canal radicular e perda substancial de tecido dentinário, o que pode levar ao enfraquecimento do dente ou resultar em perfuração radicular (CONNERT et al. 2017).
A apicectomia e o retro preparo, seriam outras alternativas para o tratamento de canais calcificados, no entanto a localização do canal calcificado, a limpeza e também a modelagem adequada da região contaminada após a ressecção da raiz é desafiante, e requer muita experiência, concluindo também que há um alto índice de insucessos. Todas as técnicas usadas até então nesses casos, têm um elevado nível de dificuldade, gerando ainda, muito desvio na hora de modelar o canal, e por muitas vezes até a perfuração, levando a perda do elemento dentário (PINTO M. et al. 2011).
Novas tecnologias, instrumentos e materiais conduzem a um melhor diagnóstico e a uma maior previsibilidade do tratamento endodôntico. A TCFC tem um papel importante no diagnóstico e planejamento do tratamento, uma vez que por meio desse exame é possível compreender a anatomia radicular e do sistema de canais radiculares, assim como definir o prognóstico e planejar o acesso guiado, caso indicado. De maneira geral, os exames radiológicos consistem em um componente essencial na gestão endodôntica, avaliando diversos aspectos na parte pré, trans e pós operatória (BUCHGREITZ et al. 2016).
Desde a sua introdução na odontologia, a TCFC oferece novas possibilidades em diagnóstico e tratamento (EUROPEAN SOCIETY OF ENDODONTOLOGY 2014). A TCFC é frequentemente usada no campo da Implantodontia para planejamento pré-operatório, para quantificar o nível ósseo ou para visualizar estruturas anatômicas, como o canal mandibular. Outra aplicação da TCFC é na cirurgia guiada para implantes, usando a técnica do escaneamento duplo ou então entre a associação do exame de TCFC e do escaneamento intraoral para o planejamento virtual e geração da guia cirúrgica. Atualmente, essas guias cirúrgicas podem ser produzidas por equipamentos de impressão 3D, que nos últimos anos tem ganhado maior difusão na área da Odontologia, devido a redução de custos. A impressão 3D por manufatura aditiva é considerada um expoente atual no mercado e apresenta aplicações e resultados fantásticos na área médica e odontológica (ZEHNDER et al., 2015).
O processo para realização do endoguide é uma réplica do processo usado na cirurgia guiada na implantodontia, no entanto em mínimas proporções e com determinadas considerações. Embora as propriedades mecânicas da dentina sejam diferentes em comparação com o osso alveolar, a utilização da broca do kit de cirurgia guiada pode ser usada na produção de uma cavidade de acesso minimamente invasiva e na localização da canais calcificados (ZEHNDER et al., 2015). No entanto, para desgaste de esmalte dentário, esta não deve ser indicado. Sendo assim, em casos com necessidade de remoção superficial de esmalte dentário é indicado o desgaste cuidadoso da camada de esmalte dentária que recobre a dentina na região de interesse ao acesso endodôntico guiado (MAIA et al., 2019).
Com o uso da tomografia e impressão 3D, surgiu o conceito de endodontia guiada, constatando um método seguro e uma alternativa clinicamente viável a cirurgia paraendôntica para localizar canais radiculares calcificados. Através da sobreposição do exame de TCFC e do escaneamento intraoral, juntamente com os softwares especializados em planejamento, conseguiremos o planejamento virtual e a confecção do guia de acesso endodôntico (KRASTL et al., 2016).
REDDY et al., abordaram a impressão 3D e como ela pode auxiliar nos procedimentos endodônticos. A mesma pode ser usada no planejamento, diagnóstico e tratamento odontológico em si, gerando maior confiança no resultado e redução considerável do tempo de trabalho. O objetivo do artigo se direcionou principalmente ao uso endodôntico da impressão 3D. Dentre as aplicações dessa tecnologia foram abordadas: reconstrução de modelos 3D auxiliando no treinamento pré-clinico para o aprendizado de alunos, reconstrução dentária, reparo de defeitos ósseos, e endoguide. Quanto a este último, os autores destacaram a eficácia que ele traz para os preparos endodônticos, que permitem ao profissional tratar canais de dentes com alterações morfológicas e do próprio canal, fornecendo um acesso minimamente invasivo e reduzindo as chances de iatrogenias. Concluiu-se que a impressão 3D foi um marco na Odontologia, devido a todos os ganhos que ela vem trazendo, gerando satisfação ao profissional e ao paciente. Embora a impressão 3D ainda passe por obstáculos, é esperado que ela cresça cada vez mais, o que requer mais pesquisas a fim de se obter resultados ainda melhores
ZENHDER et al., realizaram um estudo com objetivo de analisar o uso da impressão 3D como guia para canais endodônticos e avaliar sua real eficácia em testes in vitro. Foram usados 60 dentes humanos extraídos (de raiz única) colocados em 6 modelos que simulariam a mandíbula e maxila. Foi realizada, incialmente, uma tomografia dos dentes em questão a fim de se analisar sua condição inicial. Após o processo de avaliação e diagnóstico, foram planejados em software guias endodônticos que se adaptassem aos modelos e servissem de guia para a perfuração e abertura dos canais. Logo após, os guias foram devidamente impressos por impressoras 3D e adaptados nos dentes. O processo de abertura do canal foi executado por dois operadores experientes. Foi realizada nova tomografia dos dentes, comparando o exame inicial com o final, a fim de se averiguar o desvio do planejado. Os resultados mostraram que todos os dentes acessados com o endoguide apresentaram mínimos desvios, cerca de 0,16 a 0,21 mm. A média de desvio angular da broca foi de apenas 1,81°. Os autores concluíram, portanto, que o endoguide possibilitou um acesso com precisão dos dentes até o terço apical, de modo a possibilitar uma correta instrumentação posterior, permitindo a localização de todos os canais, confirmando as hipóteses do estudo.
KRASTL et al. relataram um caso de um paciente, homem, 15 anos, com dor no elemento 11 com lesão em seu periápice. Mediante a análise imaginológica, tal dente foi considerado de difícil acesso e grande risco de erro. Em seguida, o paciente foi indicado para o endoguide, tendo passado por tomografia e posterior construção de um modelo guia para brocas. Com o modelo adaptado, o canal foi acessado com uma broca específica. Algumas semanas depois, o paciente retornou para obturação. Após 15 meses, o paciente estava assintomático e sem sensibilidade à percussão. A lesão periapical havia desaparecido completamente. Por fim, os autores concluíram que o endoguide é um mecanismo muito eficaz em casos de calcificação de canal, sendo um método extremamente seguro e viável.
CONNERT et al. avaliaram a efetividade do endoguide em dentes da região anterior da mandíbula, fazendo uso de instrumentos miniaturizados. Os autores alegaram que tal técnica é muito útil em casos de canais calcificados. Foram usados na pesquisa 60 dentes mandibulares em 10 modelos. Foi feito, inicialmente, um exame tomográfico dos elementos, com posterior confecção dos guias em impressora 3D. Dois operadores fizeram os acessos dentários. Em seguida, um feixe tomográfico pós-operatório foi sobreposto ao plano virtual obtido antes do acesso, com vista a avaliar a relação entre o desvio previsto e o obtido. Os resultados coletados provaram que os desvios foram mínimos, cerca de 0,12 a 0,13 mm e não houve diferença significante entre os operadores. Tudo isso comprovou que a endodontia guiada fornece um acesso preciso de um canal calcificado, com mínimo desvio do planejado e que independe do grau de habilidade do operador.
Além de atuar como ferramenta de acesso em canais calcificados, o Endoguide trouxe outra grande vantagem: permitir a remoção eficiente e segura dos pinos de fibra de vidro em casos de retratamento. A remoção convencional desses retentores estéticos, por desgaste com brocas, pode gerar trincas, fraturas e desgaste excessivo, aumentando as chances de insucesso (MAIA et al. 2018).
A Endodontia guiada também apresenta suas limitações, como a necessidade de equipamentos de alta tecnologia para confeccionar os guias de acrílico, o que pode gerar um aumento no custo do tratamento. Além disso, o diâmetro das brocas utilizadas no preparo não é adequado para dentes com raízes finas, como os incisivos inferiores, e a complexidade do procedimento pode gerar medo no paciente ou em profissionais menos experientes (KRASTL et al. 2016, TOUBES et al. 2017).
Entretanto, CONNERT et al., descreveram uma técnica de guias endodônticos para incisivos inferiores com instrumentos miniaturizados, com diâmetros de 0.85mm, onde normalmente se usam brocas de 1.3mm, 1.5mm, e puderam concluir que Micro guias endodônticos, forneceram uma técnica acurácia, rápida, e independente do operador, na preparação de acessos cavitários em dentes incisivos inferiores com calcificação pulpar, porém requerem outros estudos para complementação.
Outra limitação da técnica, seria na região posterior do arco, nos molares, por exemplo, devido à limitação de espaço para caber a guia mais a broca de acesso e em canais muito curvos, uma vez que a broca é introduzida na parte reta do canal (ZEHNDER et al., 2015). No entanto, LARA MENDES et al., relataram um caso clínico de uma paciente com 61 anos de idade que se apresentou com dores no segundo e terceiro molares esquerdos, possuindo lesões periapicais nos respectivos dentes. Na análise tomográfica perceberam que não era possível localizar os canais radiculares, visto que estavam calcificados, o que complicava muito a realização de uma Endodontia convencional. Mediante a isso, fizeram uso do endoguide, realizando uma tomografia e posterior confecção do modelo guia que serviria para direcionar a broca no interior do canal radicular. O tratamento endodôntico foi realizado normalmente, com a paciente tendo o canal selado por 14 dias com medicação intracanal, retornando posteriormente para a obturação final. Após 3 meses, foi possível perceber redução total da dor e grande melhoria das lesões periapicais, tendo sido acompanhada ao longo de 1 ano. Os autores concluíram que o endoguide realizado em molares superiores se mostrou uma técnica rápida, segura e previsível, sendo muito útil em casos de calcificação, prevenindo falhas e assegurando sucesso na terapia.
Mais uma restrição à técnica guiada seria a necessidade de acessar canais calcificados que apresente curvaturas porque a broca deve, apenas, ser introduzida na parte reta do canal. Tendo em mente que as calcificações estão em geral localizadas na região cervical e/ou terço médio dos canais e as principais curvaturas ocorrem geralmente nos terços apicais, essa técnica parece promissora para aborda-las. Nos casos em que a curvatura da raiz é absoluta impedimento ao acesso seguro da broca à região desejada, a técnica de cirurgia guiada não seria indicada (LARA MENDES et al., 2018)
O endoguide trouxe uma grande contribuição e uma nova abordagem para o tratamento de calcificações severas e outros casos desafiadores, como aqueles de desvios, perfurações do trajeto original do canal e na remoção de pinos intrarradiculares de fibra. Permite um procedimento mais seguro e previsível, elimina a necessidade para o microscópio cirúrgico e pode ser realizada por operadores menos experientes. Ainda é necessário mais estudos, relatos de casos e suas aplicações, e aperfeiçoamento da técnica. Para que assim seja, acessível e presente nas intervenções clínicas, tornando a Endodontia uma ciência cada vez mais precisa e conservadora (MAIA et al., 2018).
4 CONCLUSÃO
Este trabalho apresentou um relato de caso sobre uma nova ferramenta, frente ao desafio do tratamento endodôntico em canais calcificados. Surge como uma nova alternativa para casos complexos. O Endoguide, primeiramente, se mostra como uma ferramenta para realização de casos, anteriormente perdidos ou de execução técnica extremamente difícil. Seu processo de confecção é aliado ao exame tomográfico e planejamento virtual. O acesso guiado, se mostrou seguro e preciso, facilitando o acesso aos canais, sob uma técnica segura, ágil e com previsibilidade. Além de poder ser empregado para outras finalidades como remoção de retentores intrarradiculares, retomada do trajeto original do canal e já ter relatos do seu emprego em molares e incisivos inferiores, que seriam regiões limitantes da técnica inicial.
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