REMOÇÃO DE PINO DE FIBRA DE VIDRO COM AUXÍLIO DO ENDO GUIDE: RELATO DE CASO
RESUMO
Endoguide é uma nova abordagem para acesso dos canais radiculares que necessita de um planejamento em 3 dimensões sobre o volume de uma imagem de tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) e de um escaneamento intra-oral, possibilitando a confecção de um modelo para orientar o tratamento endodôntico. Este relato descreve um caso de endodontia guiada para remoção de pino de fibra de vidro e retratamento endodôntico. O método demonstrou alta confiabilidade e permitiu remoção do pino de fibra de vidro e desinfecção adequada do canal radicular, sem desgastes desnecessários e mais segurança na execução do retratamento endodôntico. A modificação apresentada pode se tornar atual e relevante, à medida que a utilização de retentores intrarradicular do tipo fibra de vidro continua sendo uma opção de escolha mais estética de retentores nos dentes anteriores. Palavras-chave: Acesso cavitário; Endodontia; Tomografia computadorizada de feixe cônico.
ABSTRACT
Endoguide is a new approach to root canal access that requires 3-dimensional planning on the volume of a cone beam computed tomography (CBCT) image and an intraoral scan, making it possible to make a model to guide the endodontic treatment. This report describes a case of guided endodontics for fiberglass post removal and endodontic retreatment. The method demonstrated high reliability and allowed the removal of the fiberglass post and proper disinfection of the root canal, without unnecessary removal of dentin and safer endodontic retreatment. The modification presented may become current and relevant as the use of intraradicular fiberglass type retainers remains a more aesthetic choice of anterior teeth retainers.
Key-words: Access cavity; Endodontics; Cone-beam computed tomography.
1 INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios dos endodontistas é o acesso de canais radiculares que se apresentam atrésicos ou calcificados, sendo necessário a utilização de abordagens de tratamento que promovam uma maior previsibilidade do resultado. Apesar da introdução de um microscópio cirúrgico, a localização e instrumentação de canais radiculares obliterados pode ser um procedimento prolongado e complexo (Bjørndal et al, 2014). Também pode levar a erros do operador durante a preparação da cavidade de acesso, incluindo o risco de perfuração da raiz, bem como a fratura dos instrumentos endodônticos durante a modelagem dos canais radiculares.
Recentemente, os autores Buchgreitz et al (2016), mostraram uma nova técnica com utilização de um guia endodôntico (Endo Guide) para acesso de canais radiculares. Endo guide é uma nova abordagem para acesso dos canais radiculares que necessita de um planejamento em 3 dimensões sobre o volume de uma imagem de tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) e de um escaneamento intra-oral, possibilitando a confecção de um modelo para orientar o tratamento endodôntico.
Com base em vários relatos de casos, a endodontia guiada tem se mostrado um método seguro e previsível (Krastl et al, 2016; Mena-A Ivarez, 2017; Connert T, et al, 2018; Fonseca-Tavares et al, 2018. Lara-Mendes et al, 2018; Torres et al, 2019). Mais recentemente, um estudo com base em 50 casos de dentes unirradiculares, demonstrando a precisão do caminho da broca guiada, levando a um tratamento bem-sucedido com obturação parcial ou aparentemente completa do canal radicular (Buchgreitz et al, 2019). Esses resultados positivos foram observados independentemente das possíveis influências das variáveis demográficas, incluindo o status do tratamento e a extensão da obliteração do canal radicular (Buchgreitz et al, 2019). A endodontia guiada tem sido aplicada principalmente em incisivos e pré-molares, mas também pode ser usada em molares se o espaço interoclusal for grande o suficiente para a guia, broca e peça de mão (Connert et al, 2017).
Diante disso, foi observado ausência de estudos que utilizaram o endoguide para o retratamento endodôntico. O objetivo deste relato de caso foi mostrar uma modificação da endodontia guiada com o objetivo de remover um pino de fibra de vidro, evitando possível perfuração radicular e facilitando o acesso para o retratamento endodôntico.
2 RELATO DE CASO
Paciente J.D.S.F, sexo masculino, 42 anos, leucoderma, foi encaminhado à Clínica de Radiologia Odontológica em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, queixando-se de sintomatologia na região de gengiva inserida adjacente à região apical do dente 21.
Após a aquisição da radiografia periapical notou-se presença de uma imagem radiolúcida na região de periápice do dente 21, sugestiva de lesão periapical, neoformação óssea ou cicatrização óssea. O dente 21 se encontrava com presença de material endodôntico obturador e retentor intrarradicular do tipo fibra de vidro. A partir de informações clínicas, o dente 21 havia sido tratado endodonticamente há mais de 10 anos, sugerindo possivelmente uma recidiva de lesão periapical.
Em seguida, com intuito de melhor compreensão da região de interesse foram adquiridas imagens com o aparelho de TCFC PreXion3D Elite (PreXion Inc., San Mateo, USA), utilizando tamanho de voxel de 0,1mm e campo de visão (FOV) de 8 x 7 cm. Ao analisar as reconstruções axiais, sagitais e coronais, verificou-se a presença de uma imagem hipodensa bem delimitada, de formato circular, corticalizada na região periapical do dente 21, com diâmetro no sentido ântero-posterior de 9,82 mm e no sentido supero-inferior de 6,41mm. Notou-se ainda, adelgaçamento das corticais óssea vestibular e palatina (Figura 1).

Figura 1. Imagens de TCFC do dente 21 nas reconstruções transversais (A) e coronais (B).
Em seguida, foi realizado o escaneamento intraoral (Trios 3 COLOR, 3SHAPE Holmens Kanal 7,4.1060 Copenhague K Dinamarca) e este escaneamento foi combinado com a TCFC em um software de planejamento cirúrgico ImplantViewer (AnneSolutions, São Paulo, Brasil) para confecção do guia. Foram utilizadas estruturas dos tecidos moles e duros do paciente com o objetivo de combinar a TCFC e o escaneamento intraoral. Uma cópia virtual de broca foi incorporada no software ImplantViewer sobreposta a região do dente 21 (figura 2). Usando as posições descritas do drill virtual, o software gerou um modelo virtual usando a sua ferramenta de designer. Outra manga com as mesmas características das anteriores foi praticamente incorporada ao guia cirúrgico para direcionar o acesso da broca pela raiz. As imagens do guia endodôntico projetado (figura 3) foi exportada em um formato STL (estereolitografia) específico e enviadas para um Impressora 3D.

Figura 2. Imagens de TCFC no software de planejamento cirúrgico em que em possível visualizar na cor rosa o trajeto do guia nas reconstruções transversais (A,B e C) e nas reconstruções axiais (D E, F e G).

Figura 3. Em (A) a imagem do modelo virtual com o espaço para o acesso ao canal. (B) o planejamento virtual do guia na imagem de TCFC e em (C) o planejamento virtual da adaptação do guia no modelo
Posteriormente, foi removida a coroa protética do dente 21 e o endoguide foi posicionado adequadamente para a execução do acesso e remoção do pino de fibra de vidro, sob refrigeração, usando a broca a uma velocidade de 300000 rpm com a caneta de alta rotação (figura 4). Para estabilização do guia foi utilizado suporte digital e adaptação do guia nos dentes adjacentes durante o procedimento. A remoção do material endodôntico obturador na região apical foi realizada com broca do tipo largo com a caneta de baixa rotação a uma velocidade de 100000rpm. Após acesso em todo o comprimento do canal, o endoguide foi removido e um isolamento absoluto foi posicionado. O preparo químico-mecânico foi realizado instrumentos rotativos NiTi do sistema ProDesign Logic (Easy, Belo Horizonte, Brasil). A sequência de limas # .15 / 05, .25 / 01, .25 / 04 foi usada, terminando com a lima 30 / 05 e irrigação abundante com hipoclorito de sódio 2,5%.

Figura 4. Fotografia clínica do dente 21 com a coroa protética (A), núcleo de fibra de vidro do dente 21 (B) e adaptação do Endoguide (C).
Em seguida, secou-se o canal com pontas de papel e a obturação foi realizada com o auxílio de um cone de guta-percha (Odous De Deus, Belo Horizonte) e cimento à base de resina epóxi AH Plus (Dentsply DeTrey GmbH, Konstanz, Alemanha). Após isso, foi removido ½ da guta percha para cimentação do pino de fibra de vidro. O acesso guiado e tratamento endodôntico foram realizados em uma única visita. Todas as etapas foram radiografadas com o objetivo de verificar o correto acesso ao canal e a completa remoção do pino de fibra de vidro e do remanescente de material endodôntico obturador (figura 5).

Figura 5. Radiografia periapical do dente 21 antes do acesso endodôntico (A), remoção do núcleo (B), remoção do pino de fibra de vidro (C) e remoção completa do material endodôntico obturador (D).
Sessenta dias após a conclusão do caso, foi observada regressão da lesão periapical (Fig. 6), bem como ausência de sintomas dolorosos e um resultado negativo resposta a testes clínicos.

Figura 6. Radiografia periapical do dente 21 adquirida 60 dias após o tratamento endodôntico com endoguide, exibindo neoformação óssea na periferia da lesão.
3 DISCUSSÃO
A remoção de pino intrarradicular é um desafio nos casos em que é necessário um retratamento endodôntico. Embora tenha sido estabelecido que os endodontistas mais experientes podem alcançar sucesso nesses casos, o risco de perfuração e desgaste dentário deve ser considerado. A endodontia guiada nos forneceu um método muito confiável para obter acesso aos canais, incluindo canais que apresentam severa atresia (Krastl et al, 2016; Zehnder et al 2016). No entanto, até o momento, a maioria dos casos publicados apresentaram a utilização do endoguide para acesso de canais atrésicos e não de remoção de pino de fibra de vidro. Nosso objetivo era obter um acesso que proporcionasse o mínimo de desgaste da estrutura dentária e a completa remoção do pino de fibra de vidro. O desenvolvimento de novas tecnologias de escaneamento intra-oral proporcionou benefícios na precisão de modelos, fornecendo uma cópia mais rápida e confiável dos dentes, o que é fundamental para o sucesso em casos que exigem alta sensibilidade. No entanto, mesmo quando o escaneamento oral direto não é possível, a técnica ainda pode ser realizada escaneando o modelo de gesso do paciente. A seleção do diâmetro da broca é uma etapa importante para evitar desgaste desnecessário, além disso, é imprescindível realizar esta etapa do procedimento com muita irrigação para evitar microfissuras dentinárias durante o acesso. A utilização de movimentos de entrada e saído canal com avanços graduais ajuda a impedir cargas e forças extensas nas paredes dentinárias. O tempo de todo o procedimento deve ser levado em consideração. Dentro de alguns minutos, a permeabilidade pode ser alcançada. Sem essa orientação, mesmo os médicos mais experientes devem ser cautelosos e fazer várias radiografias para garantir a posição correta de inserção do instrumento usado para alcançar o canal (Tavares et al 2012). A redução no número de radiografias com essa abordagem também é um benefício e compensa a radiação recebida pelo paciente na tomografia computadorizada de TCFC, pois essa última seria considerada uma possível desvantagem dessa técnica (Connert et al, 2018). No entanto, recomendamos aquisição de radiografias intraoperatórias em pelo menos duas angulações para certificar que a broca não se desvia de seu caminho (Tavares et al 2012). O retratamento convencional do canal radicular e a cirurgia periapical são opções alternativas de retratamento endodôntico. Embora endodontistas experientes possam alcançar grande número de sucesso com o retratamento convencional do canal radicular, três fatores devem ser considerados: é possivelmente mais demorado, existe um maior risco de perfurações ou remoção excessiva de substância dentária e a exposição excessiva do paciente aos raios X (Torres et al, 2019). A cirurgia periapical em comparação ao acesso guiado é uma abordagem mais invasiva e desconfortável para o paciente.
4 CONCLUSÃO
Este relato de caso é o primeiro sobre a preparação do acesso guiado para o retratamento endodôntico em um dente incisivo com retentor intrarradicular do tipo fibra de vidro. O método demonstrou alta confiabilidade e permitiu remoção do pino de fibra de vidro e desinfecção adequada do canal radicular, sem desgastes desnecessários e mais segurança na execução do retratamento endodôntico. A modificação apresentada pode se tornar atual e relevante, à medida que a utilização de retentores intrarradicular do tipo fibra de vidro continua sendo uma opção de escolha mais estética de retentores nos dentes anteriores.
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