UTILIZAÇÃO DA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE FEIXE CÔNICO NO DIAGNÓSTICO DE OSTEOSSARCOMA: RELATO DE CASO




RESUMO


O osteossarcoma (OS) é o tipo mais comum de tumor maligno primário dos ossos, no entanto, sua localização na região maxilofacial é rara. O diagnóstico do OS nos ossos gnáticos acomete mais comumente homens do que mulheres e ocorrem com mais freqüência nas terceiras e na quarta décadas da vida. Neste relato de caso, paciente do gênero masculino, 32 anos, leucoderma, foi encaminhado para clínica de radiologia odontológica queixando-se de aumento de volume no palato, com dor na região do primeiro molar superior direito. Após realização de exame periapical e panorâmico foi observado a presença de alteração esclerótica irregular e densa no padrão ósseo da região suspeita. Em seguida, foram adquiridas imagens no tomógrafo Prexion3D e ao analisar os planos axiais, sagitais e coronais foi verificado a presença de uma lesão hiperdensa de caráter expansivo localizado na região posterior direita da maxila envolvendo os elementos dentários 15, 16 e 17. Nota-se formação óssea irregular exofítica nas corticais palatina e vestibular com características de “raios de sol” e “triângulo de codman”. Entre as hipóteses diagnósticas a de OS foi a mais relevante. O paciente foi referenciado para realizar o exame histopatológico, que foi conclusivo como Osteossarcoma Condroblástico.
Palavras-chave: Diagnóstico; Osteossarcoma; Tomografia computadorizada de feixe cônico.



ABSTRACT


Osteosarcoma (OS) is the most common type of primary malignant tumor of the bones, however, its location in the maxillofacial region is rare. The diagnosis of OS in gnathic bones affects more commonly men than women and occurs more frequently in the third and fourth decades of life. In this case report, a 32-year-old male patient, leucoderma, was referred to a dental radiology clinic complaining of an increase in volume on the palate, with pain in the region of the first right upper molar. After periapical and panoramic examination, the presence of irregular and dense sclerotic alteration was observed in the bone pattern of the suspected region. Afterwards, images were acquired in the Prexion3D tomography and when analyzing the axial, sagittal and coronal planes, the presence of an expansive hyperdense lesion located in the right posterior region of the maxilla involving the dental elements 15, 16 and 17 was verified. Irregular exophytic bone formation in the palatal and vestibular cortices with characteristics of "sun rays" and "codman triangle". Among the diagnostic hypotheses, OS was the most relevant. The patient was referred to perform histopathological examination, which was conclusive as Chondroblast Osteosarcoma.
Key-words: Diagnosis;, Osteosarcoma; Cone-beam computed tomography.



1 INTRODUÇÃO


O osteossarcoma (OS) é uma neoplasia maligna caracterizada pela produção de tecido osteóide e osso imaturo que se propaga através do estroma celular (AUGUST et al., 1997). São um dos mais comuns tumores malignos primários do osso e acometem principalmente ossos longos, especialmente o fémur, a tíbia e o úmero, sendo rara a sua ocorrência nos maxilares, em média 6% dos casos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece variantes que diferem em localização, comportamento e grau de atipia citológica (Schajowicz et al., 1995). A ocorrência mais frequente é o OS convencional ou clássico, que se origina centralmente e pode ser subdividido em osteoblástico, condroblástico e fibroblástico, dependendo do tipo de célular predominante (UNNI, 1996) A maxila é comumente menos afetada que a mandíbula (NEVILLE et al., 1998). A incidência anual de novos casos atinge 0,7 por milhão de pessoas, sendo a idade média de início na terceira e quarta década de vida, ao qual ocorre com mais frequência em pacientes do gênero masculino (BENNET et al., 2000; BARNES et al., 2005).
Os sinais e sintomas mais comuns são dor, assimetria facial, tumefação do osso, abaulamento, deslocamento e mobilidade dos dentes, obstrução nasal e parestesia (NEVILLE et al., 1998). Radiograficamente, os achados aparecem como uma imagem radiolúcida, radiopaca ou mista, com margens irregulares (AUGUST et al., 1997; MARDINGER et al., 2001). Adicionado a isso, estudos associaram a presença de sinais radiográficos como a aparência de “raios de sol”, “triângulo de Codman” e o padrão osteogênico irregular expansivo como características sugestivas de OS (RESNICK; KRANSDORF, 2005; FLETCHER et al., 2013). O OS nos maxilares está associado com uma menor taxa de metástase do que nos ossos longos, apresentando melhor taxa de sobrevida em 5 anos, variando de 27% a 84% dos casos (AUGUST et al., 1997). O tratamento baseia-se na remoção cirúrgica radical da lesão com margens de segurança, associado ou não à radioterapia e/ou quimioterapia (NEVILLE et al., 1998).
O objetivo do presente estudo é apresentar um caso clínico em que a tomografia computadorizada de feixe cônico auxiliou o diagnóstico de Osteossarcoma na maxila.


2 RELATO DE CASO



Paciente L.C.S.V, sexo masculino, 32 anos, leucoderma, foi encaminhado à Clínica de Radiologia Odontológica em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, queixando-se de aumento de volume no palato com 6 meses de evolução e dor na região do primeiro molar superior direito.
Após a aquisição da radiografia panorâmica notou-se alteração na densidade do padrão óssea na região do dente 16, ao ponto de prejudicar a interpretação radiográfica da raiz dentária do dente em questão (Figura 1). Dessa forma, para obtenção de maiores detalhes da região de interesse foi realizada a radiografia periapical, que constatou uma área esclerótica que se estendia da região de furca do dente 16 até a região mesial do dente 17 (Figura 2).
Se somente essas informações fossem consideradas para estabelecer hipóteses de diagnóstico, condições benignas como: exostose e displasia fibrosa, estariam como diagnóstico diferencial. No entanto, a radiografia periapical, em seus detalhes, demonstrou a ausência da lâmina dura e um alargamento irregular do espaço correspondente ao ligamento periodontal no dente 17, chamando assim, atenção para hipóteses de condições malignas primárias ou metastáticas.

Figura 1 – Radiografia panorâmica. Observa-se uma alteração esclerótica no padrão ósseo na região do dente 16, ao ponto de prejudicar a interpretação radiográfica da raiz dentária do dente em questão.

Figura 2 – Radiografia Periapical do dente 16. Atentar para ausência de lâmina dura e alargamento irregular do espaço correspondente ao ligamento periodontal na mesial do dente 17.

Em seguida, com intuito de melhor compreensão da região de interesse foram adquiridas imagens de Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) no PreXion3D Elite (PreXion Inc., San Mateo, USA) (Figura 3). Ao analisar as reconstruções multiplanares, como os planos axiais, sagitais e coronais, verificou-se a presença de uma lesão hiperdensa de caráter expansivo que envolvia a região dos dentes 15, 16 e 17 da maxila. Notou-se ainda, reação do periósteo em formato de espículas que caracterizam a aparência de “raios de sol” (Figura 4), também foi observado um desnível entre as corticais ósseas vestibulares da região do dente 17 ao dente 15, evidenciando o sinal radiográfico conhecido como “triângulo de Codman” (Figura 5).

A partir da análise das imagens de TCFC foram obtidas informações cruciais que guiaram o processo de elaboração das hipóteses de diagnóstico, sendo consideradas neoplasias primárias ou metastáticas, como: Osteossarcoma, Condrossarcoma e lesões metastáticas de próstata e mama. O exame histopatológico realizado em sequência confirmou o diagnóstico de Osteossarcoma Condroblástico. O paciente foi encaminhado para o Instituto Nacional de Câncer (INCA) para tratamento.



3 DISCUSSÃO


Os osteossarcomas representam um grupo heterogêneo de neoplasias ósseas malignas primárias, caracterizado pela diversidade de aspetos histológicos e de comportamento clínico/ biológico, sendo mais frequentes nos ossos longos e raros nos maxilares (SOARES et al., 2005; AMARAL et al., 2008). Algumas condições etiológicas preexistentes podem promover o desenvolvimento de OS, como: radiação prévia para tratamento de lesões benignas, displasia fibrosa, doença de Paget do osso e trauma local (NEVILLE et al., 1998; SAINI et al., 2007).
Apesar do raro acometimento dos ossos maxilares, o Cirurgião-Dentista pode ser o primeiro profissional da área da saúde a observar e suspeitar o diagnóstico de OS. Isto ressalta a importância da primeira consulta odontológica, em que é realizada a anamnese e um minucioso exame clínico, agregando informações que irão guiar o processo de diagnóstico para estabelecer o tratamento adequado. Neste caso, o paciente queixava-se de aumento de volume no palato e por isso encaminhou-se para o Dentista, suspeitando-se de origem dentária. Após a primeira consulta, a indicação de exames radiográficos complementares foi essencial para melhor compreensão da região suspeita.
A identificação do aumento do espaço correspondente ao ligamento periodontal nos dentes associados a região com alteração no padrão ósseo levantou a suspeita para o diagnóstico de tumores (GARRINGTON et al., 1967). Em estudo com registro radiográfico completo de 11 pacientes com OS, 5 pacientes (45%) apresentaram aumento do espaço correspondente ao ligamento periodontal na região do tumor. Esse sinal radiográfico inicial, é o resultado da infiltração do tumor ao longo do ligamento periodontal. Apesar de não ser um sinal radiográfico inicial específico para o diagnóstico de OS, pode ser importante para o diagnóstico precoce, quando associado com dor, aumento de volume de evolução rápida e outras alterações radiográficas (FERNANDES et al., 2007).
A continuidade da investigação imaginológica torna-se necessário para esclarecer as possíveis causas da alteração do padrão ósseo observadas pelos exames bidimensionais na região suspeita, para isso foi realizado o exame de TCFC. Esta recente modalidade de imagem permite a visualização tridimensional da região de interesse, sem a sobreposição de estruturas por meio de reconstruções multiplanares, apresentando boa visualização de tecidos duros e resoluções espaciais submilimétricas (FLYGARE; OHMAN, 2008). O que possibilita delinear a integridade das corticais ósseas, a presença e extensão de processos patológicos mais precisamente (BROWN et al., 1986).

As causas da alteração do padrão ósseo estavam associadas com reações osteogênicas do periósteo na região posterior direita da maxila. O periósteo é uma zona dinâmica composta por duas camadas, uma camada fibrosa externa e outra interna celular, que tem potencial para atividade osteoblástica (WENADEN et al., 2005). Os tipos reações periosteais que estão mais comumente associado com o diagnóstico de OS é a aparência radiográfica de “raios de sol”, que é a formação de espículas ósseas orientadas a partir da cortical óssea e o “triângulo de Codman” que representa um desnivelamento entre a cortical óssea acometida. A presença dessas reações periosteais tem sido observada mais comumente em tumores malignos ósseos agressivos, osteomielite e trauma (SPINA et al., 1998; WENADEN et al., 2005).
Histopalogicamente, o osteossarcoma mostra produção de osteóide pelas células mesenquimais e, por vezes, material condróide e tecido conjuntivo fibroso, mas torna-se difícil classificar a lesão em osteoblástica, condroblástica ou fibroblástica através de uma biópsia incisional (BARNES et al., 2005; AMARAL et al., 2008). No entanto, estes subtipos histológicos não têm grande importância no prognóstico (NEVILLE et al., 1998). O indicador mais importante do prognóstico é a capacidade de se conseguir remoção cirúrgica completa, o que é muito mais difícil de se conseguir nos ossos gnáticos do que nos ossos longos. Em particular, as lesões maxilares são mais difíceis de serem removidas completamente do que as lesões mandibulares (NEVILLE et al., 1998).
O tratamento mais adequado é a ressecção cirúrgica da lesão com margens de segurança (AUGUST et al., 1997). A utilização de radioterapia e/ou quimioterapia promove uma sobrevida a longo prazo de aproximadamente 45%, podendo ser recomendada após cirurgia radical no osteossarcoma da mandíbula (VAN ES et al., 1997). Alguns autores sugerem a utilização da quimioterapia pré-operatória, tendo como finalidade facilitar a ressecção cirúrgica (ODA et al., 1997).


4 CONCLUSÃO



O Cirurgião-Dentista pode ser o primeiro profissional da área da saúde a abordar um paciente com osteossarcoma. A complementação com exames radiográficos é crucial para a elaboração de diagnóstico diferenciais. O uso da TCFC oferece uma melhor compreensão do processo patológico, direcionando as hipóteses de diagnóstico para correlação com o resultado do histopatológico. O diagnóstico precoce e o encaminhamento para o tratamento adequado são fundamentais para o aumento na sobrevida dos pacientes.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



AMARAL MB, BUCHHOLZ Í, FREIRE-MAIA B, REHER P, DE SOUZA PEA, MARIGO HA. Advanced osteosarcoma of the maxilla: a case report. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2008;13: 492–5.
AMINI SHAKIB P, FOROUGHI R, SEYEDMAJIDI M. Osteosarcoma of the maxilla: a rare case with unusual clinical presentation. J Dent Res Dent Clin Dent Prospects. 2013;7(3):177-81. doi:10.5681/joddd.2013.029.
AUGUST M, MAGENNIS P, DEWITT D. Osteogenic sarcoma of the jaws: factors influencing prognosis. Int J Oral Maxillofac Surg. 1997;26:198–204.
BARNES L, EVESON JW, REICHART P, SIDRANSKY D, EDITORES. World Health Organization classification of tumours: pathology and genetics of head and neck tumours. Lyon: IARCPress; 2005.
BENNETT JH, THOMAS G, EVANS AW, SPEIGHT PM. Osteosarcoma of the jaw: a 30-year retrospective review. Oral Surg Med Oral Phatol Oral Radiol Endod. 2000;90:323–33.
BROWN KT, KATTAPURAM SV, ROSENTHAL DI. Computed tomography analysis of bone tumors: Patterns of cortical destruction and soft tissue extension. Skeletal Radiol 1986;15:448‑51.
FERNANDES R, NIKITAKIS NG, PAZOKI A, ORD RA. Osteogenic sarcoma of the jaw: a 10-year experience. J Oral Maxillofac Surg. 2007 Jul;65(7):1286-91.
FLETCHER CDM, BRIDGE JA, HOGENDOORN PCW, MERTENS F, EDITORS. World Health Organization, classification of tumours: Pathology and genetics of tumors of soft tissue and bone. Lyon: IARC Press; 2013.
FLYGARE L, OHMAN A. Preoperative imaging procedures for lower wisdom teeth removal. Clin Oral Investig. 2008;12(4): 291-302.
GARRINGTON GE, SCOFIELD HH, CORNYN J, HOOKER SP. Osteosarcoma of the jaws: Analysis of 56 cases. Cancer 20:377, 1967
MARDINGER O, GIVOL N, TALMI YP, TAICHER S. Osteosarcoma of the jaw. The Chaim Sheba Medical Center experience. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2001 Apr;91(4):445-51
NEVILLE BW, DAMM DD, ALLEN CM, BOUQUOT JE. Patologia Oral e Maxilofacial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1998:1–705.
ODA D, BAVISOTTO LM, SCHMIDT RA, MCNUTT M, BRUCKNER JD, CONRAD 3RD EU, ET AL. Head and neck osteosarcoma at the University of Washington. Head Neck. 1997;19:513–23.
RESNICK D, KRANSDORF MJ. Tumors and tumor-like lesions of bone: Radiographic principles. In: Bone and joint imaging. Elsevier Saunders; Philadelphia Pennsylvania 3rd ed. 2005. p. 1109-98.
SAINI R, ABD RAZAK NH, AB RAHMAN S, SAMSUDIN AR. Chondrosarcoma of the mandible: a case report. J Can Dent Assoc. 2007;73:175–8.
SCHAJOWICZ F, SISSONS HA, SOBIN LH. (1995) The World Health Organization’s histologic classification of bone tumors: a commentary on the second edition. Cancer 1995:75;1208-14.
SOARES RC, SOARES AF, SOUZA LB, SANTOS ALV, PINTO LP. Osteossarcoma de mandíbula inicialmente mimetizando lesão do periápice dental: relato de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005;71:242–5.
SPINA V, MONTANARI N, ROMAGNOLI R. Malignant tumors of the osteogenic matrix. Eur J Radiol 1998;27:S98–S109
TAKAHAMA JÚNIOR A, ALVES FA, PINTO CAL, CARVALHO AL, KOWALSKI LP, LOPES MA. Clinicopathological and immunohistochemical analysis of twenty-five head and neck osteosarcomas. Oral Oncol. 2003;39:521–30.
UNNI KK. Dahlin’s bone tumors, general aspects and data on 11,087 cases. 5th ed. Philadelphia: Lippincot-Raven; 1996.
VAN ES RJJ, KEUS RB, VAN DER WALL I, KOOLE R, VEMEY A. Osteosarcoma of the jaw bones. Long-term follow up of 48 cases. Int J Oral Maxillofac Surg. 1997;26:191–7
WENADEN AE, SZYSZKO TA, SAIFUDDIN A. Imaging of periosteal reactions associated with focal lesions of bone. Clin Radiol. 2005 Apr;60(4):439-56.